EUFORIA DAS DESCOBERTAS

Há descobertas que produzem grandes avanços na compreensão da natureza da doença e revolucionam técnicas e práticas preventivas e terapêuticas. Trazem benefícios indubitáveis. No entanto, logo que anunciadas, provocam efeitos colaterais indesejáveis. Estudiosos ávidos por usufruir da novidade, alguns sem conhecimento detalhado da nova teoria e com pouca familiaridade com as novas técnicas envolvidas, põem-se a fazer afirmações e anunciar "descobertas" infundadas. Por outro lado criam-se expectativas de que doenças de grande morbimortalidade possam ser contidas em curto prazo o que na maioria das vezes é ilusório.

No final do século XIX Pasteur associou a doença aos microorganismos.1 De meados dos anos 1870 ao fim da década seguinte diversos pesquisadores identificaram os agentes etiológicos de várias doenças: lepra (1874), osteomielite (1877) blenorragia (1879), febre tifóide (1880), tuberculose (1882), cólera (1883), difteria (1883), tétano (1884), cancro mole (1889). Em 1880 Pasteur desenvolveu procedimentos que lhe permitiram produzir vacinas contra o cólera das aves e o carbúnculo. O sucesso da microbiologia e da imunologia induziu a proliferação de descobertas fantasiosas, algumas com desdobramentos temerários. Os vírus não eram conhecidos, a etiologia das doenças infecciosas era atribuída a bactérias, fungos, ou protozoários.

Em 1878 Richardson apresentou uma bactéria como o agente da febre amarela. Dois anos depois Domingos José Freire incriminou um “micróbio da espécie das algas”. Em 1883 foi a vez de João Batista Lacerda creditar a origem do mal a um fungo. Dois anos depois Carmona y Valle apresentou um "cogumelo polimorfo". Em 1887 Paul Gibier apontou um bacilo intestinal e dez anos depois Giuseppe Sanarelli apresentou o "Bacillus icteroides".

Freire produziu uma vacina ineficaz, inoculou milhares de pessoas. Carmona y Valle inoculou uma solução do resíduo seco da urina de doentes em cerca de 250 pessoas buscando imunizá-las, Sanarelli produziu um soro que se mostrou ineficaz. (ver artigo "o bacilo da febre amarela").

Em 1908, durante uma epidemia de varíola no Rio de Janeiro, Prowazek e Aragão, pesquisadores de Manguinhos, divulgaram a descoberta do agente responsável pela doença, anunciado por Oswaldo Cruz na Academia Nacional de Medicina em julho do ano seguinte.

A epidemia de gripe espanhola de 1918 gerou muita discussão sobre sua etiologia. Embora a hipótese de que o Haemophilus influenzae2 fosse o responsável tivesse grande aceitação, o médico italiano Ciauri anunciou a descoberta do micróbio da influenza espanhola: "um germe novo na patologia humana". À época foram preparadas diversas vacinas com diferentes germes: o bacilo de Pfeiffer, o Pneumococus, e o Micrococus catarrhalis. (ver artigo "primavera sombria")

Os estudos de Pasteur criaram grandes expectativas de que as doenças infecciosas poderiam ser vencidas. A descoberta da penicilina em 1928 e das propriedades inseticidas do DDT no ano seguinte robusteceram a idéia de que muitas doenças infectocontagiosas poderiam, e deveriam, ser erradicadas. Os meios estavam disponíveis: soros, vacinas, antibióticos e inseticidas para o combate a vetores. Desvendavam-se os modos de transmissão, as fontes de infecção podiam ser identificadas e controladas.

Não seria tarefa fácil, dependia de recursos financeiros vultosos, não só para insumos como para monitorar e operacionalizar as ações de campo. Por outro lado, com a erradicação, os custos permanentes com prevenção e tratamento cessariam, compensando o investimento inicial. Alguns eram céticos. Não seria factível vencer a "lei natural da conservação das espécies". Vetores e microorganismos tinham tendência natural de se multiplicar e adaptar-se às circunstâncias adversas.

Havia premissas básicas para empreender um programa de erradicação:

1- A doença deveria ter importância socioeconômica a nível nacional ou internacional.
2- Deveriam ser garantidos recursos financeiros suficientes.
3- Deveria haver um meio de combate de baixo custo, fácil de aplicar e capaz de deter a transmissão em um período relativamente curto.
4- Os casos precisavam ser fáceis de detectar a fim de otimizar ações de vigilância epidemiológica.
5- As condições socioambientais precisavam ser favoráveis.

No início dos anos 1950 o tratamento massivo com uma única dose de penicilina benzatina, implantado no Haiti para o controle da bouba,3 resultou em expressiva queda da incidência e da prevalência, sugerindo que a doença poderia ser erradicada. Em 1955 a OMS adotou a meta de erradicar a bouba. Na primeira metade dos anos 1960 cerca de 46 milhões de pessoas, em 49 países, receberam a injeção. Apesar da importante queda na prevalência de casos ativos (de 20 a 60 vezes), havia problemas logísticos e o aparecimento de novos focos mostrou que a bouba não fora eliminada em nenhuma zona extensa devido a infecções persistentes e transmissão mais intensa do que o previsto. A idéia de erradicação da bouba foi afastada em meados dos anos 1960.
Lesões cutâneas de bouba
Desde os anos 1940 o DDT era empregado para o controle da malária. A experiência mostrou que o borrifamento generalizado das casas nas zonas malarígenas era capaz de reduzir bastante ou mesmo interromper a transmissão. Ao mesmo tempo observou-se que os mosquitos anofelinos (mosquito-prego), vetores da doença, desenvolviam resistência biológica ao inseticida que, cedo ou tarde, perderia sua eficácia.
Em 1955 a OMS aprovou uma resolução a favor da erradicação da malária. Em fins de 1958 programas de erradicação em 63 países cobriam 65% da população residente em áreas malarígenas. Durante a primeira metade da década seguinte o programa se expandiu chegando a cobrir 75% dos moradores das áreas endêmicas. A partir de 1966 a insuficiência de recursos e dificuldades operacionais para as ações de vigilância levaram o programa à estagnação. A estratégia de erradicação mundial da malária foi abandonada três anos depois. Durante os anos 1970 a doença voltou a se manifestar em áreas onde havia sido controlada. Um dos principais fatores para o fracasso da empreitada, além da escassez de recursos financeiros e dificuldades operacionais, foi a resistência dos vetores aos inseticidas.

O programa de erradicação da malária foi o primeiro empreendido em escala mundial e estabeleceu os princípios e estratégias gerais que orientaram todos os seguintes, entre os quais a definição de quatro fases ou momentos:
1- de preparação.
2- de ataque, visando interromper a transmissão e diminuir a incidência para 0,1/1000.
3- de consolidação, visando localizar e eliminar casos residuais ou importados.
4- de manutenção mediante a uma vigilância epidemiológica intensa para deter possíveis casos importados.

No início dos anos 1950 a varíola foi eliminada nos EUA e na Europa com a implantação da vacinação massiva da população. A OMS passou a estimular a intensificação de programas nacionais de imunização visando a erradicação da doença. Nos países do "terceiro mundo" a escassez de recursos e dificuldades operacionais impediam que os programas progredissem. Por outro lado era claro que não havia impedimento técnico relevante para a erradicação.

Em 1967 a XX Assembléia da OMS reconheceu que, apesar dos programas nacionais de imunização, a varíola continuava um grave problema de saúde pública em todo o mundo e propôs um programa de erradicação da doença em 10 anos. A iniciativa atraiu grande apoio financeiro, técnico e logístico.

Em 1969 a grande maioria dos países onde a doença era endêmica (24 de 27), iniciou programas de vacinação em massa. Dois anos depois foi registrado o último caso nas Américas, ocorrido no Brasil. Em 1975 a varíola foi erradicada da Ásia e da África central e no ano seguinte da África Meridional e Sul-oriental.

Restavam dois focos na Etiópia, um nas montanhas da região central e outro a sudeste, no deserto de Ogadem, fronteira com a Somália. Em 1977, em meio a uma guerra entre somalis e etíopes pelo controle da região de Ogadem foram registrados mais de 3.000 casos na Somália. Esforços intensos, nacionais e internacionais, foram mobilizados para conter o surto. O último caso, foi registrado em outubro. Não havia mais transmissão natural de varíola. A erradicação mundial da varíola foi certificada em 1979.

É oportuno pontuar algumas circunstâncias que favoreceram a erradicação da varíola:


1- A doença era exclusivamente humana, não havia reservatórios, vetores ou qualquer hospedeiro intermediário a controlar.

2- Os casos eram de fácil diagnóstico (pústulas na face).

3- A vacina liofilizada tinha grande estabilidade térmica.

4- A técnica da agulha bifurcada otimizou a eficácia das inoculações.

 

O sucesso do programa de erradicação da varíola levou a OMS a implantar, em meados da década de 1970, Programas Ampliados de Imunização na maioria dos países da Ásia, África e América Latina a fim de estimular a prática da vacinação em geral.

O impacto da intensificação das campanhas vacinais na incidência da pólio e a importante redução dos casos de pólio paralítica durante primeira metade dos anos 1980 (no Brasil coberturas anuais acima de 90% reduziram a incidência da pólio de 10/100 mil hab. para 1/100 mil.) levou a OMS a propor um programa de erradicação. Além dos países com Programas Ampliados de Imunização implantados, países europeus e do Pacífico Oriental aderiram. Os casos anuais chegavam a 350.000. A estratégia era a vacinação anual massiva da população com a vacina oral em um curto período (dias).4 A pólio foi eliminada nas Américas em 1994, no Pacífico ocidental em 2002 e dois anos depois na Europa. Em 2014 foi eliminada na Índia e no Sudeste da Ásia. No ano seguinte foi certificada a erradicação mundial do VP2, e em 2019 a do VP3.5

No primeiro trimestre de 2019 três países continuavam endêmicos, em sete a transmissão local fora interrompida mas havia surtos eventuais pela reintrodução do vírus, outros quinze, com coberturas vacinais baixas e sistemas de vigilância debilitados, estavam sujeitos à reintrodução do vírus.

Em 1994 os Programas Ampliados de Imunização haviam reduzido a incidência do sarampo na região da Organização Panamericana de Saúde (OPS) a 31 casos por milhão de hab. A cobertura vacinal era de 84%. Tais avanços justificaram a decisão de erradicar a doença no continente. Em 2002 foi anunciada a interrupção da transmissão.

Em 1997 os Estados da Região do Mediterrâneo Oriental decidiram eliminar o sarampo até 2010. Em 10 anos cerca de 250 milhões de crianças foram imunizadas. Em 2007 a mortalidade caíra 90% em relação à de 2000, no ano seguinte as coberturas vacinais chegavam a 83%.

No ano seguinte a região européia da OMS estabeleceu o objetivo de eliminar o sarampo até 2010. A incidência da doença na região diminuiu de 90 casos por um milhão de habitantes para 10 casos por milhão em 2007.

Em fins de 2006 a região africana da OMS reduzira em 90% a mortalidade pelo sarampo. Dois anos depois 17 países tinham coberturas próximas a 90%. Na região a cobertura vacinal era de 73%. Em 2009 o comitê regional da OMS para a África aprovou o objetivo de eliminar o sarampo até 2020.

Em 2013 os óbitos por sarampo no mundo aumentaram quase 20% em relação ao ano anterior. A cobertura vacinal estacionara em 83% desde 2009. Em 2018 ocorreram 9.769.400 casos. Nos sete primeiros meses de 2019 o número de casos triplicou em relação ao mesmo período da ano anterior, chegando a mais de 360 mil. A erradicação do sarampo que parecia próxima em meados dos anos 2000 tornara-se um objetivo distante no fim da década.
 
Número de casos de sarampo por região da OMS (2018)
África
1,759.000
América
83.500
Mediterráneo Oriental
2.852.700
Europa
861.800
Sudeste de Asia
3.801.800
Pacífico Occidental
408.400
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Muitas circunstancias favorecem o aparecimento de novas doenças infecciosas. Vírus estão sujeitos a mutações frequentes que produzem cepas novas em condições de infectar espécies até então refratárias. Uma cepa nova pode ter um perfil antigênico, diferente tornando suscetíveis os infectados pela cepa original. Os mutantes também podem mostrar maior transmissibilidade ou virulência.

Durante a guerra da Coréia (1950-1953) mais de 2.500 recrutas americanos foram vítimas de uma doença que provocava febre e insuficiência renal, 121 morreram. A fonte de infecção, urina de ratos selvagens, foi logo identificada. O agente, um Hantavírus, só foi isolado em 1976.

Os vírus Hanta são responsáveis tanto por febres hemorrágicas com comprometimento renal quanto por pneumonias graves. São transmitidos por roedores, silvestres ou urbanos. Em 1993 uma doença respiratória com letalidade de 50%, provocada por um vírus do grupo Hanta atingiu os EUA. No mesmo ano um Hantavírus provocou óbitos no Centro-oeste, sudeste e sul do Brasil, foi denominado Juquitiba.

Pequenos surtos de doenças respiratórias associadas ao vírus Hanta foram observados na Argentina (1996) e no Chile (1997). No Brasil os casos anuais passaram de 11 em 1998 para 70 em 2001. Em 2002 os casos nos EUA somavam 313, com letalidade de 37%.

Em meados dos anos 1970 uma doença hemorrágica grave atingiu mais de 600 pessoas no Sudão do Sul e na República Democrática do Congo, com letalidade de até 90%. O agente, até então desconhecido, foi identificado mais tarde como um Filovírus, batizado Ebola (nome de um rio da região).

Os Filovírus causam febres hemorrágicas severas em primatas incluindo humanos, que se contaminam a partir de macacos doentes. A contaminação se dá pelo contato com fluidos biológicos de animais ou pessoas doentes. O primeiro filovírus conhecido foi identificado em Marburg, Alemanha e tomou o nome da cidade. Foi introduzido em 1967 por macacos importados de Uganda para pesquisas, infectou 31 e matou oito dos pesquisadores que entraram em contato com tecidos dos animais.

Em 1995 o Ebola ressurgiu no Zaire com letalidade em torno de 77%. Em 2014 manifestou-se na Guiné, Libéria e Serra Leoa. No início de fevereiro de 2015 havia, cerca de 22.500 casos registrados em hospitais, com letalidade de 40%. Entre dezembro de 2015 e março de 2016. a OMS anunciou o fim da epidemia.

No início de 1981 foi identificada uma doença nova com letalidade de cerca de 40% cuja principal característica era a imunodeficiência. Dois anos depois os casos chegavam a 951, com 640 óbitos nos EUA. Ocorriam casos semelhantes na Europa e em outubro o virologista francês Luc Monttaigner identificou o HIV, um novo retrovírus humano, como o responsável pela doença então designada Síndrome de Imunodeficiência Adquirida. (ver resenha E A Vida Continua).

Estimativas mundiais de 2018 indicam que cerca de 40 milhões de pessoas seriam portadoras do HIV. No ano, teriam ocorrido mais de 1,7 milhões de novas infecções e 700 mil mortes por doenças relacionadas à AIDS.

Os coronavírus provocam pneumonias severas e transmitem-se diretamente entre pessoas. No final de 2002 uma cepa, surgida na China, provocou a "Síndrome Respiratória Aguda Grave" (SARS). Logo se espalhou por países da Ásia, Oceania e Austrália, chegando até a Europa e América do Norte. Em 8 meses provocou oito mil casos e mais de 700 mortes em 37 países (letalidade de 11%). O vírus, original de morcegos, foi identificado como SARS-CoV.

Em 2012 nova cepa de coronavírus provocou uma doença pulmonar severa no Oriente Médio. Até o início de 2018 foram registrados 2.220 casos e 790 mortes (letalidade de 36%), a maioria na Arábia Saudita e Jordânia. O vírus, identificado como MERS-CoV, também tem origem em morcegos, mas há evidências de que pessoas foram infectadas por dromedários contaminados. Um surto ocorreu na Coréia do Sul entre maio e julho de 2015 com mais de 180 casos e 36 mortes, o caso índice foi um Sul Coreano recém chegado do Oriente Médio.

Na virada de 2019 para 2020 nova cepa de coronavírus (2019-nCoV) provocou uma síndrome respiratória na província de Hubei, China. Em meados de janeiro, com cerca 1.300 casos e 41 mortos, as autoridades chinesas suspenderam os meios de transporte e instruíram os moradores a não sair de casa em Wuhan, onde o surto começou, e em mais nove cidades da região. Uma quarentena imposta a cerca de 40 milhões de pessoas.

No fim de janeiro além de 11.818 casos (259 mortes) contabilizados na China, outros 138 foram notificados em 24 países de todos os continentes exceto a África. A OMS decretou o coronavírus "emergência internacional em saúde pública". Nos últimos dias de fevereiro os casos chegavam a mais de 78 mil na China. Outros 3.519 foram notificados em 95 países distribuídos por todos os cinco continentes. Na China os óbitos eram mais de 2.700, nos demais países chegavam a 72. A Itália, com 453 casos e 12 óbitos, tornara-se o principal foco de disseminação do vírus para países ocidentais. No Brasil ocorreu o primeiro caso, um empresário recém chegado da Itália.6

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Há novas doenças e antigos males retornam.

Em 1939 a OPS iniciou um programa para a eliminação da febre amarela região. A descoberta de que o vírus circulava entre macacos, transmitido por mosquitos do gênero Haemagogus, inviabilizava a eliminação do agente etiológico. Em 1947 o programa assumiu o objetivo de eliminar a febre amarela urbana por meio da erradicação do Aedes.

Em 1958 a OPS atestou que o Brasil e mais dez países sul americanos estavam livres do Aedes. Na década seguinte o mosquito começou a apresentar resistência ao DDT e houve nova infestação em países da América do Sul, inclusive no Brasil.

A febre amarela urbana parece ter sido controlada, inclusive pela disponibilidade de uma vacina eficaz. Mas além da febre amarela o Aedes é vetor de outros vírus do mesmo gênero, os flavorírus, para as quais não há vacina.

A dengue é uma doença antiga, chegou ao Brasil trazida pelo tráfico negreiro. No início do século XX ocorreram surtos em São Paulo (1916) e Niterói (1923). O vírus distingue-se em quatro sorotipos imunológicos específicos, um mesmo indivíduo pode contrair dengue até quatro vezes. Uma nova infecção, entre outros fatores, pode favorecer complicações hemorrágicas (Febre Hemorrágica do Dengue). Em 2015 foi registrado o maior surto da doença no Brasil, com cerca de dois milhões de casos e mais de 900 mortes.

Calcula-se que 2,5 bilhões de pessoas - cerca de 40% da população mundial - vivam em áreas onde a dengue é endêmica.

Há relatos de quadros clínicos compatíveis com os provocados pela febre Chicungunha desde os anos 1770. O vírus foi isolado durante uma epidemia na Tanzânia em 1952. Ocorreram surtos em Bangkok e Tailândia em 1960 e em Calcutá durante as décadas de 1960 e 1970. Em 2004 um surto na costa do Quênia propagou o vírus para diversas ilhas do oceano Índico. Dois anos depois atingiu a Índia, Sri Lanka, Ilhas Maldivas, Cingapura, Malásia e Indonésia. Provocou cerca de 1,9 milhão de casos. Vários países do Caribe foram atingidos em meados dos anos 2010. Entre 2010 e 2015 provocou surtos recorrentes nas Américas, Europa, África, China, sudeste Asiático e ilhas do pacífico.

Distribuição da dengue 2006.

 

Países com chicungunha - maio/2018

 

O vírus Zika foi isolado pela primeira vez em 1947 de um macaco em Uganda. Oito anos depois infectou pessoas na Indonésia. Em 2007 provocou um surto em uma ilha da micronésia com incidência de 74% e seis anos depois infectou cerca de 30 mil pessoas na Polinésia Francesa (cerca de 2/3 da população). Disseminou-se por ilhas do pacífico e em 2015 chegou ao Brasil, provocou milhares de casos. A partir do fim do ano alcançou toda a América do Sul e Central.

A infecção foi considerada benigna até a década de 2010 quando foram identificadas complicações neurológicas, a Síndrome de Guillain-Barré durante o surto da Polinésia Francesa e casos de microcefalia em recém natos, filhos de mães contaminadas durante a gravidez. A doença ocorre principalmente entre o equador e o trópico de capricórnio.

Os três arbovírus circulam amplamente nas regiões tropicais de todos os continentes. A presença de mosquitos transmissores (Aedes aegypti, Aedes albopictus e Aedes polynesiensis) em todas estas áreas torna possível a ocorrência de surtos localizados ou mesmo epidemias a qualquer momento.
Distribuição mundial do Aedes aegypti

A maioria dos pesquisadores dos anos 1950 e 1960, empolgada com avanços dos conhecimentos médicos, não percebeu que o fenômeno da vida, em todas as suas formas, tem uma capacidade extraordinária de adaptar-se a condições adversas, manter-se e se reproduzir.

Com exceção da varíola as campanhas de erradicação não lograram o êxito pretendido mas trouxeram grandes benefícios. Doenças infecciosas foram eliminadas de muitas áreas, principalmente na franja sul dos países do hemisfério norte. Nas regiões tropicais muitos países reduziram significativamente a morbimortalidade por diversas doenças infecciosas. Como a erradicação não foi alcançada é preciso manter altos níveis de cobertura vacinal, vigilância epidemiológica intensa e, ao mesmo tempo, estar alerta para os novos vírus mutantes.

Guido Palmeira, fevereiro de 2020.


Bibliografia de interesse

Garrett, Laurie - A próxima peste: as novas doenças de um mundo em desequilíbrio. Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1995.

Schatzmayr, E. G. - Viroses emergentes e reemergentes. Cad. Saúde Pública, 17(suplemento): 209-213. 2001.

Yekutiel, Pérez - Lecciones que se derivan de las grandes campañas de erradicación. Foro Mundial de la Salud , 2 (4), 1981.


NOTAS

1 Descritos pela primeira vez por Leeuwenhoek em 1675.

2 Ou "bacilo de Pfeiffer", bactéria identificada na epidemia de em 1892.

3 Infecção crônica causada pela bactéria Treponema pertenue. Provoca lesões granulomatosas e ulcerosas cutâneas, cartilaginosas e ósseas.

4 A idéia era que a ampla disseminação do vírus vacinal, a vacina era de vírus vivos que se multiplicavam nos vacinados e eram eliminados nas fezes, competisse biologicamente com o selvagem.

5 O vírus da pólio tem três tipos antigênicos distintos identificados como VP1, VP2 e VP3.

6 No dia 12 de março, com 118 países afetados, 121 mil casos e 4.300 mortes, a OMS anunciou que o coronavírus tornara-se pandemia. Na China a incidência diária diminuíra para pouco mais de uma dezena. A Europa tornou-se o epicentro do coronavírus. Eventos públicos de negócios, culturais e esportivos foram cancelados, teatros, cinemas, museu, pontos turísticos, bares e restaurantes foram fechados e aulas foram suspensas em escolas e universidades de diversos países. Os EUA proibiram a chegada de vôos provenientes da Europa. Inúmeros países fecharam suas fronteiras. Cidades foram isoladas, milhares de trabalhadores respeitavam quarentenas e a produção de grandes indústrias foi comprometida. As bolsas de valores despencaram. Em dois dias os casos chagaram a 132 mil (5 mil óbitos) em 123 países. (15/03/2020)